Dia 10 de julho de 2015 – Sexta-feira
E foi, como de costume, numa sexta-feira a noite, que partimos para o nosso terceiro acampamento!
Novamente pegamos um longo engarrafamento na saída do Rio de janeiro... Fomos subindo a serra e a temperatura foi despencando até atingir 9 graus! Que delícia!
Fizemos o mesmo trajeto da outra vez: saímos da Dutra em Engenheiro Passos. Seguimos pela Br 354 durante 26 kms, até a Garganta do Registro, onde começamos a subir por uma estrada de terra, como se fôssemos para o Parque Nacional de Itatiaia, a única diferença foi que entramos numa estrada à esquerda, uns 5 kms antes de chegarmos ao Parque. Estrada bem precária, por sinal. Andamos 7 kms por ela e então chegamos a Pousada dos Lírios por volta de 1:00. A recepção já estava fechada. Estacionamos na área de camping. Havia umas 7 barracas montadas e seus habitantes pareciam não estar com sono algum porque estavam do lado de fora conversando animadamente!
Montamos a barraca ao lado do carro, na parte do terreno que parecia menos inclinada. Barraca nova, por sinal! Muito espaçosa! Tão grande que foi possível guardar mochilas, comida, apetrechos de trilha, tudo dentro dela! E ainda tivemos bastante espaço para nos acomodar!
Exaustos depois de um dia de trabalho e da viagem, deitamos. Tudo que eu queria era ouvir o silêncio da natureza. Mas, infelizmente, nossos vizinhos estavam ainda num papo bastante animado, apesar do adiantado da hora... Sem melhor alternativa, enfiei um chumaço de algodão nos ouvidos e tentei dormir. Foi assim que estreei o kit de emergência tão minuciosamente preparado pelo Rodrigo. O falatório ficou um pouco abafado e depois de uma meia hora, me entreguei ao sono... Sono este que foi interrompido pelo meu marido dizendo:
“Estão sacudindo a barraca! Tem alguém embaixo da barraca!”.
Depois dessa intervenção sonambúlica, demorei mais uma meia hora para dormir de novo...
Dia 11 de julho de 2015 - Sábado
Não acreditei quando olhei o relógio e vi que ainda eram 6:30 e o falatório alto já estava repercutindo pelo camping como se fosse meio-dia!! Ficamos na cama até às 7:30. Tomamos café da manhã numa mesinha de madeira próxima a nossa barraca.
Arrumamos tudo e fomos para o Parque de Itatiaia. Fomos surpreendidos por uma enorme fila na recepção! Umas 100 pessoas tiveram a mesma ideia: desbravar o parque naquele sábado. Felizmente, a fila andou rapidamente. Quando chegou nossa vez, preenchemos uma ficha informando qual trilha iríamos fazer e assinamos um termo de responsabilidade.
Obs: só é permitido fazer a trilha que informamos ao parque que vamos fazer porque, se algo acontecer, os responsáveis pelo Parque saberão onde nos encontrar.
Caminhamos por 40 minutos pelo trajeto já conhecido, de terra e pedras, que nos leva ao Abrigo Rebouças. Desta vez tive vontade de correr por ele, tão feliz estava sem aquela mochila pesada que me torturou da outra vez...Chegando ao Abrigo Rebouças, senti um calafrio ao lembrar da minha noite congelante...
Seguimos por uma trilha de muitas pedras durante uma hora e meia (3 kms de caminhada). No final, não tínhamos certeza se estávamos no caminho certo, então, resolvemos perguntar para dois trilheiros que estavam almoçando por ali. Muito simpáticos, eles nos disseram que estávamos no caminho certo sim e além disso, nos deram uma ótima dica: na volta, poderíamos voltar por um caminho diferente – pelo Circuito dos 5 Lagos – 3 horas de caminhada. Ficamos bastante entusiasmados com a ideia de conhecer uma nova trilha. Eles nos garantiram que era uma trilha bem sinalizada. Apesar de ainda não ter sido homologada pelo parque, havia totens (“esculturas” feitas de 5 pedras em ordem decrescente) e estacas vermelhas por toda a trilha. Medrosa como sou com pedras, perguntei se havia precipício no caminho. Disseram que havia apenas um, logo no início, e, se eu passasse por ele, não haveria mais nenhum.
Despedimos dos rapazes, agradecemos muito pela dica e seguimos por uma montanha bem íngreme até o cume da Pedra do Altar. Chegamos exauridos lá em cima, mas a vista espetacular compensou o esforço! Esta montanha é a 14ª montanha mais alta do país (altitude: 2665 metros). De lá temos uma vista exuberante das Agulhas Negras!
Havia um grupo de 10 pessoas com um guia lá em cima. Conversamos com eles, contamos sobre a dica dos trilheiros. O guia não nos encorajou a ir, pelo contrário, disse que era melhor fazermos este trajeto apenas com a companhia de um guia. Logo depois eles desceram. Rodrigo e eu ficamos sozinhos. Que paz! Uma imensidão de pedras e árvores nos cercava para onde quer que olhássemos!
Outras pessoas chegaram exatamente quando tínhamos acabado de almoçar.
Ventava muito forte, fazendo com que a temperatura caísse drasticamente! Imaginamos como seria horrível passar uma noite ali, já estando tão frio àquela hora do dia!
Às 13:30 resolvemos começar nossa caminhada de descida. Fomos pelo caminho indicado pelos trilheiros. Descemos o trecho íngreme e viramos à direita onde havia uma placa indicando: Circuito dos 5 lagos. E lá fomos nós, muito animados, desbravar esta nova trilha!
Resolvemos aproveitar para almoçar. Precisávamos repor energia! Ligamos o fogareiro e comemos nosso arroz com legumes. Sobremesa: chocolate amargo.
Meia hora de caminhada por uma trilha bem marcada nos animou ainda mais! Chegamos a tal rocha que eles tinham nos dito que encontraríamos. Respirei fundo e resolvi encará-la! Precisava enfrentar meu medo! Era preciso atravessar a rocha em sentido vertical. E, com o incentivo do Rodrigo, consegui! Mas, para minha apreensão, havia outra rocha... Esta era preciso subir. Procurei não olhar para baixo, mas às vezes a vontade era inevitável e eu dava uma olhada... E então vinha um medo terrível de cair e me esborrachar pela pedra abaixo... Rodrigo já tinha subido tudo e me chamava:
“Vem logo! Não podemos demorar! A trilha é grande, temos que sair dela antes do anoitecer!”
Inclinei meu corpo para a frente o máximo que pude, segurei em todos os matos que vi e subi! Quando cheguei ao topo, olhei para baixo e tive certeza que eu não desceria por este caminho! Eu havia conseguido subir, com certa dificuldade. Mas descer? Nunca!!
Foi então que senti uma dor horrível de estômago! O nervoso por atravessar as pedras deve ter causado a dor. Mas não houve tempo para lamentar... Era preciso continuar andando, ou ficaríamos na trilha a noite...
Ficávamos felizes cada vez que encontrávamos um toten ou uma estaca vermelha. Era algo parecido com a alegria de encontrar ovos de páscoa! Mas de repente as marcações acabaram... Procurávamos, procurávamos e não havia mais totens ou estacas... E agora? O que faríamos? Rodrigo sugeriu que voltássemos pelo caminho por onde viemos, mas eu logo afirmei que jamais desceria aquela pedra que me causou dor de estômago! Então só havia uma solução: seguir nossos instintos e achar o caminho...
Tentamos seguir em frente, mas chegamos à conclusão que aquela não poderia ser a trilha. Trilha no meio de um matagal tão alto que cobria nossas cabeças? Não, definitivamente não podia ser! Voltamos e resolvemos descer à esquerda. Descemos por uma meia hora por um caminho com bastante mato, mas não tão alto quanto aquele outro. De repente o Rodrigo, que sempre ia na minha frente, parou e berrou:
“Pare! Pare! Abismo!”
Com certa dificuldade, conseguiu subir o morro. Ufa! Que susto!!
Voltamos um pouco o trecho que nos levou ao precipício e descemos por um outro. Não pude acreditar quando vi que havia uma rocha para atravessar neste caminho! Rodrigo avisou:
“Não tem jeito, não tem saída. Você vai ter que descer! Não temos tempo para procurar outra descida...”
Oh não! Oh não! Comecei a chorar enquanto o Rodrigo ia descendo a pedra agachado... Ele ainda tentou me ajudar, dizendo que eu podia ir grudada nele, que eu não cairia... Mas olhava para baixo, nenhum lugar para segurar, nenhum matinho... Não, não dava para descer... E ele ficou lá, exatamente no meio da pedra, se equilibrando e implorando para eu tomar coragem e descer!
“Você quer que eu chame os bombeiros??? “
“Quero... “, disse entre lágrimas que molhavam meu casaco...
Não conseguindo mais se equilibrar, o Rodrigo desceu toda a rocha. Muito irritado, ele disse:
“O que vou falar para a sua mãe?? Que te larguei no meio do mato sozinha??”
Percebi que, de uma forma ou de outra, eu tinha que descer. Subi novamente o trecho que nos levou a esta pedra e falei para o Rodrigo que ia procurar um caminho alternativo. Fui, decidida e ainda trêmula de medo da pedra, procurar uma saída melhor daquele inferno chamado Circuito dos 5 Lagos!!
Fui me afastando, mas ainda conseguia ouvir:
“Não faça isso!! Vai escurecer! Tenha coragem e desça por aqui!!”
Subi, subi, virei à minha direita e comecei a descer. E o melhor de tudo: parecia não ter mais pedras no caminho! De repente o mato começou a ficar alto, alto demais para o meu gosto! Tão alto que cobria a minha cabeça! Com muita dificuldade, fui desbravando o mato... Abria os braços para afastá-lo, pulava em cima dele para amassá-lo... Fui seguindo meu rumo sem rumo, pensando que talvez eu não conseguisse sair daquele labirinto de mato, talvez tivesse que dormir ali e enfrentar o frio congelante da madrugada, a onça, os lobos guarás e a sede... Até que de repente ouvi o Rodrigo me gritando lá de baixo. Ele não conseguia me ver porque o mato me escondia. Levantei o braço bem alto e ele me enxergou graças a manga rosa do meu casaco. E de lá ele foi me orientando na descida:
“Vá para a sua direita... Agora para a esquerda. Desce um pouco e depois vire à direita... Cuidado! Tem um precipício a sua esquerda!”
E assim fui descendo por um caminho sem trilha, que parecia não ter fim...
Eu já estava bastante desesperada, mas fiquei ainda mais ao saber que o Rodrigo tinha perdido seu celular durante a descida...
Depois de mais ou menos uma hora descendo pelo meio do mato cerrado, meu pesadelo acabou e finalmente cheguei onde o Rodrigo estava!
Ele me abraçou forte, me beijou e disse com emoção:
“Que bom, meu amor, você conseguiu descer!”
Não, não disse nada disso... Não tínhamos tempo para romantismo... Apenas falou:
“Corre! Não pare! Temos que sair daqui antes de anoitecer!”
O pesadelo acabou? Quem disse? Estava apenas na metade... O caminho não melhorou depois dali. Continuamos atravessando o mato cerrado. A única diferença é que agora o caminho era plano, não tinha mais descida. Bem, plano de certa forma, pois caíamos em grandes desníveis a todo momento...
E, como milagre, o mato cerrado acabou! Mas logo surgiu o bambuzal fechado! Me senti um bombeiro quando tivemos que descer deslizando por uma árvore para alcançar a parte de baixo do terreno que nos levaria ao fim desta trilha sem fim!
Vimos ao longe a torre da portaria do Parque e fomos nos guiando por ela.
Uma trilha perfeita não poderia deixar de ter um pântano no meio, certo? Certíssimo! E assim passamos meia hora atravessando charcos... Além do cansaço de nossas pernas, a caminhada se tornou mais difícil com os tênis encharcados...
E aí você me pergunta: e os 5 lagos? Ótima pergunta!! Onde esconderam os 5 lagos??
Nossas bocas estavam rachadas, estávamos sedentos já há algum tempo... Parecia miragem, mas era real: uma nascente de água límpida em nosso caminho! Enchemos nossas garrafas e matamos nossa sede.
Às 17:30 alcançamos aquela estrada de terra e pedras, nossa velha conhecida! Beijei o chão e agradeci a Deus por termos conseguido voltar!!
Andamos rapidamente até a portaria. Não havia mais ninguém no Parque. Todas as 100 pessoas tinham cumprido o horário e ido embora até às 17:30. O rapaz que estava na recepção nos saudou feliz:
“Ah! Aí estão vocês! Aconteceu alguma coisa?”
Com medo de sermos chamados a atenção, poupamos os “detalhes”. Falamos apenas que nos atrasamos procurando o celular que o Rodrigo havia perdido na trilha...
Nos tacamos no carro, tiramos os tênis e ainda deu tempo e ânimo de admirar o magnífico pôr do sol!
Chegamos a Pousada e fomos logo tomar banho. A água felizmente não era fria!
Jantamos macarrão. Rodrigo não parava de tremer, apesar de estar cheio de casacos.
Lavei a louça, escovei os dentes e o Rodrigo prostrado, com certeza com febre de tanta andança e nervosismo...
Deitei às 20:30. Meu corpo clamava por cama! Mas o aconchegante saco de dormir serviu bem!
Algodões nos ouvidos, muitos agradecimentos a Deus por termos achado o caminho de volta e... zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz
Dia 12 de Julho de 2015 – Domingo-
Acordamos às 6:30 com o falatório do grupo animado que ia sair cedo para fazer trilha. Trilha??? Não quero ouvir esta palavra tão cedo!!
Ficamos na cama, aliás, nos sacos de dormir até às 8:00. Tomamos café e organizamos tudo. Como dá trabalho! Colocamos os sacos de dormir, isolantes, travesseiros e toalhas numa corda no sol. Enquanto isso, lavamos a lona e a louça.
Tudo limpo e seco! Organizamos tudo no carro, pagamos a pousada e seguimos rumo ao Parque de Itatiaia Parte Baixa.
Chegamos lá às 14:00, mortos de fome! Comemos num restaurante dentro do parque, acho que o único. Felizmente tinha comida vegetariana! A cozinheira disse que passam muitos vegetarianos por ali. Comemos arroz, feijão, maionese e salada.
Devidamente abastecidos, fomos conhecer o parque. Confesso que fiquei feliz ao saber que boa parte do parque pode ser conhecida de carro!
Paramos num dos pontos atrativos do parque e, incrivelmente, para quem não queria saber desta atividade tão cedo, fizemos uma trilha até a queda d’água Véu da Noiva. Por sorte era uma trilha pequena.
Concordamos que bastava uma trilha naquele dia. Entramos no carro e seguimos de volta para casa. Pegamos dois longos engarrafamentos, o que atrasou em mais de uma hora nossa volta.
Chegamos, são e salvos, às 20:00.
Moral da história: nunca siga dicas de trilheiros, por mais simpáticos e experientes que eles pareçam ser! Obedeça as regras do local! Não se aventure no Circuito dos 5 Lagos até que ele seja homologado e devidamente sinalizado!